sábado, 10 de maio de 2025

caminho

há caminhos que se cruzam,
como quem não quer ficar,
mas também não sabe partir.

uns eu fechei com a palma inteira;
outros deixei entreabertos,
como quem esquece de esquecer.

guardo no corpo
os rastros de onde fui chão
e as marcas sutis
de onde fui abrigo.

há em mim uma sede antiga
por mãos que amparem.
mas sigo,
às vezes trêmulo,
às vezes sóbrio.
sigo.

acostumei meu peito
a abrigar o que não volta,
e a sorrir, às vezes,
pro que ainda pulsa,
mesmo sem presença.

se o amor é morada,
o depois é eco.
e eu aprendo a morar no eco,
sem esperar resposta.

tudo que encerra
também acende.

eu me dou a chance
de ser
meu próprio caminho.

domingo, 4 de maio de 2025

autoetnógrafo


 

às vezes eu acho que estou me escrevendo
mas talvez eu só esteja me tentando

há palavras em mim que se recusam
riscam o papel sozinhas
fogem do olho, da boca, do nome
ficam ali, formando o vulto
de algo que eu sinto
mas não sei chamar

me olho como quem tenta ler
um idioma antigo
esquecido no fundo de mim
uma escrita densa
às vezes suave
mas quase sempre torta
desfeita de mim

há zonas em que não entro
não porque não queira
mas porque não sei como voltar

escrevo como quem tateia o corpo
à procura de uma cicatriz que ninguém vê
mas que nunca parou de doer

cada linha que traço
é um pedido de socorro
e uma promessa de reencontro
como se escrever fosse me puxar de volta
de onde eu me deixei

às vezes o que aparece é claro
e eu me reconheço
mas dura pouco
como a luz de um fósforo aceso no escuro

a maior parte de mim ainda é ilegível
me escrevo com mãos trêmulas
me leio com olhos cansados
me rasuro por medo de saber demais
e me escondo atrás do pouco que compreendo

isso que você vê
não é um retrato
é um rascunho
um corpo em tentativa
feito de palavras
metade minhas
metade indecifráveis

talvez nunca seja texto
talvez nunca me leia inteiro
mas sigo escrevendo
porque é o mais perto que já cheguei
de existir

sábado, 3 de maio de 2025

contorno

abro mão de contender.
não resisto ao que vem
com o cheiro do que foi.

desenho palavras
com os dedos
que ainda conhecem o caminho,
reconhecem o seu contorno.

presença no que escapa.
desejo
que não ousa se nomear.

se for delírio,
vou morar nele.

de pele erguida,
pulso aceso,
e silêncio à altura.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

rastro

tentei.
com o que não era inteiro.

fiz silêncio.
guardei lembranças
em caixas sem tampa.

aprendi a andar
com um espaço a mais no peito.
e chamei de tempo.

não falo.
escrevo.
deixo rastro.

às vezes,
um gesto de longe,
parece diálogo.

não sei.

talvez sejam sinais
em nuvens mudas.

mas há uma alegria mansa
só de imaginar.

e mesmo que não,
há beleza em sentir assim:

devagar,
com cuidado,
como quem toca um nome
sem dizê-lo alto.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

morada

lembrar não é voltar.
lembrar é construir.

tijolo,
argamassa,
respiração.
tudo junto.

escrevo como quem finca
firme o corpo no próprio chão.

o texto é casa:
alguns cômodos rangem,
outros ainda nem têm porta.
há paredes que escondem,
e outras que escancaram.
observo.

memória não é santidade.
é obra em andamento.

rememoro
e restauro:
faço arqueologia dos afetos,
retiro a poeira dos restos,
com um pincel fino,
com fôlego.

o trauma, madeira bruta.
a palavra, meu pulso vivo.
o corpo, meu perfume.

escrevo assim:
com martelo,
com silêncio,

com suor,
com poeira nos olhos.

um tijolo.
de cada vez.
uma palavra.
de cada vez.

respiro o ar
e minha morada
tem cheiro de mim.

terça-feira, 29 de abril de 2025

silêncios

silêncios que cortam,
e guardam.

o nosso é dos dois.

não como um adeus repentino,
tampouco falta de despedida.
um fio se soltando devagar,
até só restar esse espaço.

nesse espaço selamos um pacto.
não de palavras, mas de respeito.
não de promessas, mas de memória.

carregamos
a lembrança do que fomos:
frágil, intacta, viva.

não é ausência.
não é esquecimento.
é amor que decidiu calar.

e, se um dia seus pensamentos cruzarem os meus,
mesmo que só por um instante,
saiba que
estou aqui,
no silêncio que nos liga.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

o vazio

acordo antes da manhã.
o vazio respira primeiro que eu.

não tem nome.
não tem rosto.
é presença.

um velho amigo
de quem fujo,
mas que sempre sabe o caminho até mim.

caminhamos lado a lado.
às vezes ele me assusta,
às vezes me embala.

o vazio não é tudo.
o momento não é tudo.
eu sou mais que o agora.

há em mim o medo.
há em mim o sonho.
há em mim o que ainda não sei dizer.

respiro.
deixo o vazio sentar ao meu lado.

não sou menos por senti-lo.
não sou menos por não preenchê-lo.

sou espaço.
sou caminho.
sou quem permanece.

domingo, 27 de abril de 2025

ligamentos

o costume molda.
o costume aperta.

ponta dos pés,
músculo contraído,
olhar curto.

um jeito de andar,
um jeito de sonhar,
um jeito de querer.

pequenos cortes,
para afrouxar.

palavra bisturi,
palavra navalha,
palavra sussurro.

saudade,
memória,
vontade.

respiro.
o corte que me solta.

mão firme na lâmina.
desenho caminhos no meu corpo.

sábado, 26 de abril de 2025

Bestiário

sussurro que respira fundo na sombra da ordem.
fascínio e medo,
pulso oculto no silêncio escuro
dos desejos proibidos.

ordem.
desejo abominável,
desejo perverso.

fetiche.
ódio que prende,
trai e revela.

incoerentes,
rugimos baixo
na sombra das palavras —
verdades que escorregam,
disfarces, silêncios,
perigos ocultos
em frases curtas,
em olhos baixos.

noites em que
caminhamos perdidos,
bestiário adentro,
floresta viva
de nós mesmos.

coragem
para ouvir
a respiração profunda
do animal enorme
que somos.

medo —
não da solidão,
mas do encontro,
do abraço que não solta,
do olhar que despe,
da mão que fica.

queremos,
fugimos,
amamos,
ferimos.

fera mansa,
beleza perigosa,
convite silencioso.

rugido quente,
esperando
quem se atreva
a ouvir.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

templo rei

que a palavra que sai da minha boca, dos meus dedos, nao me traia,
mas me revele.

que eu não me encolha para caber nos olhos de ninguém,
nem me alongue demais até esquecer minha forma.

que a dor que eu carrego se transfome em gesto,
em arte, em cuidado, em passo.

que a beleza que duvido em mim encontre abrigo no meu olhar.
e que eu saiba enxergar. de verdade.

que a minha espiritualidade seja feita de silêncio que escuta,
e de palavras que não me prendem, mas me libertam.

que eu me perdoe pelas vezes em que fui generoso demais,
esperando amor onde havia só espelho vazio.

que a partir deste tempo, 
eu me abrace como quem acolhe um filho perdido:
com firmeza, com ternura, com paciência.

que eu saiba:
minha voz é oração e feitiço.
minha escrita é ritual.
meu corpo é altar.
eu sou sagrado.

que eu não precise mais traduzir minha dor para ser entendido.
que eu não precise me desmontar para ser escolhido.

que o amor que eu desejo não me peça silêncio,
nem me cobre cura antes de me dar colo.

que eu aprenda a diferenciar presença de vigilância,
e carinho de controle.

que o meu coração, que já foi altar de tantos deuses ausentes,
seja agora santuário da minha própria existência.

que eu saiba:
afeto não é dívida.
amor não é prêmio.
e eu não preciso provar meu valor
com sacrifícios disfarçados de entrega.

que, quando alguém me amar,
esse alguém não se assuste com a minha luz,
nem tente apagar as minhas trevas.

e que, quando eu amar,
eu não me abandone no altar do outro.

que a minha mão saiba se estender sem se perder,
e que meu abraço não precise se encolher para caber.

que amar seja encontro,
e não prova.
que seja dança,
e não penitência.

e que, se um dia eu me esquecer de tudo isso,
que essa oração
que esse feitiço
me chame de volta com a voz do amor que mereço.

porque isso aqui
não é só escrever.
é construir um templo.

a partir das ruínas do que disseram de mim,
das promessas que quebrei comigo,
da fé que aprendi a dirigir a outros deuses,
que não eu.

um templo-rei.
sem coroas, tampouco tronos,
mas palavras.

palavras que tremem,
palavras que curam,
palavras que me criam,
mesmo quando estou perdido de mim.

eu sou a minha religião.

entrego minha devoção a mim.
com tropeço, erro e choro.
com fé e fervor.

sou meu sacerdote e meu desertor.
sou meu altar e meu exílio.
sou meu amor e meu algoz.
minha companhia.
meu milagre.

me traio com pensamentos.
me salvo com gestos.
me inscrevo, me descrevo, me escrevo.

quando ensino e questiono sobre sonhos.
no fundo sou o aluno.
as perguntas são para mim.

finjo. não de disfarce, mas de criação.
finjo e poetizo.
autopsicografo. autoetnografo.

invento para me conhecer.

por isso,
se um dia eu esquecer o caminho de volta pra mim,
que estas palavras acendam a trilha.

que elas me chamem pelo nome que só eu conheço.
não o nome que me deram,
mas o que eu descobri escrevendo.

que esta oração
que este feitiço
me sirvam de abrigo.
que seja meu espelho quando eu me estranhar,
meu fogo quando eu me calar,
meu canto quando eu apagar.

sou oferta.
sou altar.
eu sou templo.
sou rei.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Engolido

A gente pensa em palavras,
Mas sente sem saber dizer.

Ama e teme na mesma medida.
Sente e teima por não saber dizer.

Morre de medo de ser engolido.
Vive angustiado, sem fôlego, correndo pra se conhecer.

Mas o coração fica.

Fica engolido pelo amor, pela dor, pelo querer, pelo não-saber.
Derretendo em palavras o que o corpo nao consegue conter.

sábado, 4 de janeiro de 2025

Sombra

Você olha, mas não enxerga.
Fala, mas não diz.
Eu ouço o som, mas não há sentido nas palavras.
Está escondido. Ficou escondido.
Faltou coragem para a sombra virar verdade. 

Ficou sombra.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

"Always with you"

You hurt me like you should never have
and it was my first time,
but it was not.

Você me machucou.
E doeu,
E dói.

You were perfect
Loving
Caring
Perfeito

You were my love
Love of my life
Love for life

But then you were not
You drifted

Eu me fui, 
mas não de nós.

Você nos deixou,
Foi embora da gente.

It hurt so much then.
It still does.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Love

Love exists 
(and 
it is life.

(it owns you
and eats you.

It is nurture and will
mind and matter,
it is all)


But then it doesn't.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Cântico VI

Tu tens um medo: 
Acabar. 
Não vês que acaba todo o dia. 
Que morres no amor. 
Na tristeza. 
Na dúvida. 
No desejo. 
Que te renovas todo o dia. 
No amor. 
Na tristeza. 
Na dúvida. 
No desejo. 
Que és sempre outro. 
Que és sempre o mesmo. 
Que morrerás por idades imensas. 
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecilia Meireles

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

La Tristesse

Elle dure toujour.

Ou 

plus longtemps que ça devrait,
plus longtemps que j'aimerais.

Elle dure toujour.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Out of place

Being lost can be scary.
It is scary.
It is (like) being

Stuck
Trapped

In the nothing.

"Not all who wander" (can) feel at place.
I like to think I do
yet 
I know I don't.

I feel out of place.
I weep
I sob
I cry till
I dry.

Zero

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Cego

Viver acreditando que
o momento é mundo.
Que isso é tudo.

Que tudo está dentro
desse meu mundo
Que meu mundo é tudo.

Viver sem enxergar.

terça-feira, 24 de março de 2015

Acabou

Minha boca fechou
Secou
Ficou comum

Meus dedos cerraram
Calaram
Tornaram-se nus

Calei
Fiquei zero
Vazio
Vão e
Nenhum

É assim que tudo terminou
E eu que achei que não
Que não findaria
Q'outro seria
Que tudo teria
Que poderia ver

Não pude
Cancelei sem saber
Sem cuidar
Sem assistir
Sem notar
Que comum
Que pouco
Que triste
Que nada
Acabou

sábado, 6 de setembro de 2014

Esse Toque

Beijo você,
sua boca,
seus olhos,
seu desejo.

Beijo seu cheiro, 
seu toque,
esse amor,
meu desejo.

Essa delícia do seu toque.
Beijo você.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Velho

Envelheço e não consigo lutar contra.
Nem vejo que uso dessa velhice. 
Bem poderia ser também maturidade,
Ao contrário, me vejo bobo e menino.

Que são esses sábios? 
Como chegaram aí?
Serenidade que tanto admiro, tanto busco
Ainda assim, tanto me foge.

domingo, 9 de março de 2014

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Poesia

(ao seu coração)

You always stay. No matter what.
None of them are like this.
None of them are like you.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

sábado, 2 de junho de 2012

Reason

"There's a reason why I said I'd be happy alone. It wasn't because I thought I'd be happy alone. It was because I thought if I loved someone and then it fell apart I might not make it. It's easier to be alone. It's easier to be alone because what if you learn you need love and then you don't have it? What if you like it? And lean on it? What if you shape your life around it and then it falls apart? Can you even survive that kind of pain? Losing love is like organ damage, it's like dying. The only difference is death ends. This? It could go on forever."

Meredith Grey
Grey's Anatomy Season 7 Episode 22